sábado, 25 de junho de 2016

História da Cabocla Janaína


Ali, na divisa de Tramandaí e Imbé, na beira do rio, morava o Roberto de Ogum Adiolá. Jovem bonito e faceiro ele era muito considerado pelos pescadores da vila. A pesca era artesanal, a vida era dura de enfrentar, não se tinha escolha, saíam para o mar sem saber se iriam voltar. Para ele, um meninão de corpo atlético aquilo tudo não passava de uma brincadeira, dominava o mar e tinha por ele respeito e uma certa cumplicidade. Se perguntado se tinha medo ele respondia. __ Eu? Filho de Ogum Adiolá, escravo de Iemanjá, protegido por Oxalá, o Senhor das águas, como posso ter medo de viver no paraíso? “ Conta uma lenda que Ogum, era apaixonado por Iemanjá, pediu-lhe em casamento, e por obter um sonoro não, se jogou ao mar e sucumbira na sua imensidão. Por não aceitar um não, passara a viver as margens do mar só para estar perto de sua amada.” Toda a manhã lá estava Roberto trazendo em seu pescoço sua guia feita com as pedras extraídas do fundo do mar, cumprindo o ritual de ajoelhar e pedir a benção de Iemanjá ao aventurar-se na busca dos peixes para vender no mercado. Foi que no dia 02 de fevereiro, durante uma festa de Iemanjá, no meio da procissão viu Janaína de Iemanjá, cabocla linda, uma mulata de encher os olhos, boca carnuda, cabelos encaracolados, pele de um bronze dourado e olhos brilhantes... Passou a noite toda a admirando e voltou para casa carregando a certeza que ela seria a mãe dos seus filhos. Na segunda vez que a avistou foi numa festa de batuque. Ao vê-la tomada por Mãe Iemanjá, soube a quem pedir a realização do seu sonho. Bastava fazer o pedido do fundo de seu coração: ___ Quero muito, casar com ela. Ela é o meu bem querer, a quem amarei eternamente. Oxéu, minha mãe Iemanjá. E no verão do mesmo ano juntaram os trapos e foram num pequeno casebre na vila dos pescadores. A alegria e felicidade dos dois resplandeciam, mas como todo jovem tinham seus anseios: ela por um filho que demorava a chegar, ele querendo oferecer uma vida mais digna a ela, atirava-se no trabalho, deixando-a sozinha com a solidão amargando seu coração um filho que não chegava e um marido sempre ausente não eram seu sonho. Ele passava dias dentro do mar e ela a caminhar pela praia, tentando se comunicar com ele através das ondas que iam e vinham, ali conversava com sua mãe Iemanjá, fazia seus pedidos, contava seus sonhos e entoava o canto da sereia para agradar seu Orixá, sua Mãe Iemanjá. Numa noite de total abandono foi passear na pequena pracinha e saborear uma taça de sorvete com algumas amigas. Foi que bastou para as fofoqueiras de plantão levantarem falos sobre sua conduta, sendo ela mulher de pescador, não era recatada e aproveitava a ausência do marido para passear. Quando Roberto de Ogum Adiolá desembarcou, viu-se cercado pelas cobras a falar: ___ Abre o olho, meu filho, abre o olho Como quem conta um ponto, o dele significava traição, sem-vergonhice, coisa que nunca aconteceu em sua vida, com tristeza ouviu, se calou e consentiu. Daquele dia em diante, passou a beber e perambular pela praia em desespero, a gritar: ___ Aonde foi que eu errei para passar por esta prova, minha mãe Iemanjá? A bela Janaína de Iemanjá, sem saber de nada, vivia preocupada com seu companheiro, até que sua Mãe de Santo a procurou, queria ajudá-lo mas não compreendia a causa de tanta revolta e indo na mesa de búzios ela teve a revelação e passou a conhecer a lenda dos Orixás Iemanjá e de Ogum Adiolá. Roberto de Ogum Adiolá, o pescador, sofrendo a dor da traição, deixou-se levar pelas difamações e amargurando seu coração. Tinha vontade de falar com ela, mas os votos de confiança mútuos não permitiam, seria um desrespeito ao amor conclamado. Tudo não passava de conjeturas e expô-las, seria uma afronta. “Mas um dia eu saberei a verdade, mesmo que isso me faça perdê-la”. Uma noite de chuva e temporal, quando os raios rasgavam o céu Roberto de Ogum Adiolá, podre de bêbado, arrastou a embarcação e navegou em busca da morte, a notícia chegou a casa de Janaína. Agora ela entendia o que a queda dos búzios havia anunciado... seu companheiro sofria por suposta traição sua e com medo de perdê-la, resolveu atingi-la pondo fim a vida. _ Não, isso não esta certo e vou agora mesmo resolver esta quizila. Janaína correu até a praia e, no meio daquela tempestade, avançou mar adentro. Possuída pela revolta, queria, se possível, ir até o fundo do mar buscar seu marido, não entregaria facilmente o sentido de sua vida, viera ali para lutar e ela estava apenas começando. Gritou para sua Mãe Iemanjá: _ Se eu não o trai, se eu não menti, se ele me ama, qual a explicação para tudo isso? Não, minha Mãe Iemanjá, tu não vai fazer isso comigo, não vai mesmo. Na noite escura como um breu ela continuou firme, dali não arredaria o pé, não desistiria, era obstinada e sua Mãe iemanjá sabia o quando ela era sincera em seu amor. Sentada na areia, cochilou. Foi quando a tempestade aplacou, o vento parou e o mar doce veio beijar seus pés. Despertou assustada, sem saber que horas eram, tinham que voltar para casa, pensou em ir até a capitania dos portos, quando viu os colegas de seu marido se aproximarem. Não precisaram falar nada, traziam a reboque o barco que levara o Roberto para o fundo do mar. Aproximou-se e saudosa acariciou o barco, constatou que o barco estava intacto, nenhum aranhão na pintura. ”Se o barco está assim, é sinal que não foi a tempestade que o matou, mas sim ela, aquela maldita, que veio cumprir a sua lenda e me roubar a única coisa que eu tenho na vida”. _ Maldita sejas tu, minha Mãe Iemanjá. Mas tu me paga, eu não saio daqui sem o meu marido, tu tens que me devolver ele como eu te entreguei, forte e sadio, não vim aqui para buscar um cadáver. Só saio daqui com ele e nada me fará desistir, nem mesmo a morte. As amigas falaram até cansar e finalmente, quando todos partiram para as suas casas, ela sentou e chorou, vertendo todas as lágrimas do mundo, deixando vazar o desespero e a dor que a sufocavam. “Chora, Janaína, chora que o mar vai te encantar, Chora meu golfinho, chora que o mar vem te abençoar, Chora, Janaína, chora que o mar vem te beijar...” Assim cantou o poeta e assim caminham as filhas da mais doce das iabás, elas, as sereias de Abéokutá, a morada de Iemanjá. À noite chegou e o vento frio que soprava do mar, ela não sentiu frio nem fome, apenas o vazio da alma que buscava compreender o inexplicável. Não aguentando mais, tombou, e seu corpo encontrou como cama a areia e as águas de Iemanjá. Ali, ela, sua Mãe Iemanjá, apareceu e lhe falou: _ Eu o levei, mas não como está escrito na lenda, mas sim atendendo um pedido dele que não queria mais viver. Não vim buscá-lo, simplesmente o recebi em meu reino de Abéokutá. _ “Então foi assim que tudo se passou. Este infeliz não me perguntou como as coisas se passaram e me deixou sem uma explicação. Não, isso não vai ficar assim, não vou deixar como está, ele sequer me fez um filho e me abandonou a seu bel-prazer”. Levantou-se e, determinada, avançou mar adentro. Primeiro entoou com todas as forças de seus pulmões e com todo o amor do mundo o canto de seu Orixá e a seguir se prendeu a gritar a divina de sua Mãe Iemanjá. Sentindo-se com a força e o poder de seu Orixá, evocou seus cavalos marinhos. Sim, onde ele estivesse os cavalos e os golfinhos encontrariam e trariam de volta, e foi como tudo aconteceu. O mar calmo se agitou, bramiu e, fustigado pelo vento, avançou sobre ela e a engoliu, arrastando-a para o fundo. Mas ela era Janaína, a filha de Iemanjá, portanto, não cederia a sua força. No último momento abriu a boca e soltou o grito, um som que só os golfinhos conhecem, e momentos depois viu-se cercada por seus cavalos que chegaram para socorrê-la, e ela, Janaína, montou e cavalgou sobre as ondas em busca de seu amor. Na madrugada do dia seguinte, quando os pescadores iam entrar no mar, eles viram algo sair dele era Janaína de Iemanjá que, cavalgando seus cavalos, trazia na garupa o seu amado, negro Roberto de Ogum Adiolá, sorrir na plenitude da felicidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário